O rolo entre a música brasileira e as eleições
Uma compilação de vídeos e links para entender como a música e poder político se embolam este ano no Brasil.
Oi gente!
Obrigada por esperar desde o meu último post (A dependência do retrô). Foram três meses muito loucos mas eu realmente não estava a fim de fazer algo curto e rápido só pra constar e para você depois começar a ignorar meus emails. Em junho, fiz uma exposição individual na ilha de Møen na Dinamarca que fechou neste último fim de semana. Depois disso fui para Berlim, Lisboa e para a Ilha de São Miguel nos Açores apresentar a performance “A Mão da Febre” ao vivo. Agora acabei de chegar México onde participo da exposição SHAKE YOUR BODY e estou preparando outra exposição individual para a Galeria Millan em novembro em São Paulo e uma exposição com Miles Greenberg no New Museum em Nova Iorque no mesmo mês. Além disso, junto com o mestre Berna Ceppas que é músico e compositor e meu mozão Thiago Lanis, também compositor, estou fazendo a trilha sonora de um documentário que vai ser um bafo.
Quem disse que vim ao mundo a passeio? Nem os invejosos. Quando eu morrer minha lápide (ou mais provável um tupperware - reciclado - se eu tiver sorte) pode dizer qualquer coisa, menos que eu “gostava de sossego”. Bora lá guerreiras, que quem nasce no Brasil não pode se lambuzar de confortinho se você não nasce com no mínimo 5 imóveis no seu nome.
Brasil, música e política: uma p*ta zona
Entenda o Brasil através dos jingles
Vamos começar pelo mais simples nessa história que tem tudo pra ser uma coleção de loucuras: jingles, as músicas feitas para as campanhas políticas. Os jingles são bastante didáticos e uma espécie de miniatura ou maquete para entender as articulações entre música e poder.
Eu não invejo os publicitários que ganham milhões de reais para bater o martelo na escolha musical das eleições no Brasil, mesmo tomando decisões baseadas em centenas de pesquisas e estatísticas. Mesmo porque, esse lado racional da propaganda - a estatística - nem sempre garante um resultado estético brilhante. Na história do Brasil, as grandes mudanças estéticas parecem vir de um lugar libidinal, que se identificado, é como uma mina de ouro. Nem sempre surfar naquilo que é mais popular musicalmente - e por isso “seguro”- irá propulsionar um candidato ou mudar uma pesquisa de intenção de voto. Emoções profundas provocadas pela música e pela política dependem de um certo estranhamento misturado com identificação. O conhecido, o familiar, não possui esse potencial de choque. Como bem dito no filme Elvis (ruim mas não de todo ruim, já que a cena do show com roupa de couro salva a maior parte do filme, mas continua a injustiça com Little Richard), a verdadeira mina de ouro da música popular é quando ela provoca a sensação do prazer cheio de culpa, mas que por isso liberta os desejos do indivíduo de suas amarras culturais, morais ou ideológicas. A música popular transformadora precisa provocar o arrebatamento.
Mas, na dimensão continental do Brasil onde os estados possuem culturas próprias, bem definidas e muitas vezes distintas, tenho a impressão que nas eleições para governador essa escolha estética das campanhas é mais simplificada que na eleição presidencial. Além disso, no Brasil há partidos e famílias que dominam certos estados e deixam tudo mais do que previsível. Veja o caso da Bahia:
ACM Neto, candidato do União Brasil, cujo avô era afiliado da primeira geração do ARENA (partido de fachada dos aliados da ditadura) e nosso velho conhecido, optou por usar o ritmo do piseiro para sua propaganda política. Nossa, que original… parabéns aos envolvidos. Se você reparar bem, a produção, os trejeitos e erros de português estrategicamente colocados na letra, deixam a música quase impossível de se distinguir de um piseiro “real”, que toca na rádio ou no porta-malas de geral. A campanha de ACM Neto é um grande parasita da cultura do piseiro e eu não poderia estar menos impressionada. Agora, se ACM Neto se transformasse em um anime para sua campanha, e misturasse tudo com piseiro, aí sim eu ia ficar de cara.
Na hora em que um candidato escolhe um gênero musical para sua campanha, ele está na verdade articulando os ideais e identidades de Brasil que esse gênero contém. Cada gênero musical brasileiro guarda em si uma visão de país. O gênero musical inclusive, pode ser uma negação completa das identidades brasileiras mais reconhecíveis se a campanha assim o desejar (José Serra e Paulo Maluf foram mestres nisso). A música pode auxiliar a recuperação de identidades que foram oprimidas ou eliminadas (Marina Silva usou bastante disso em 2014), pode fortalecer utopias de transformação progressista da nação (essa parece ser sempre a estratégia preferida do Lula) ou simplesmente reforçar a classe dominante e o status quo (Getúlio Vargas, “bota o retrato do velho / bota no mesmo lugar / o sorriso do velhinho / faz a gente trabalhar”).
Por isso que a arte do jingle nas eleições brasileiras é tão interessante. É como um baile de máscaras, uma festa à fantasia onde as fantasias são diferentes visões sobre o que é o Brasil. Ganha aquele que melhor se transformar ao vestir uma certa versão de brasileiro. O mais importante de tudo: em 2022, a fantasia tem que chocar e apaixonar ao mesmo tempo.
Neste quesito, Bolsonaro lacrou. Vestiu a máscara do brasileiro tosco, violento e ressentido que carregará nas costas os desejos de empresários como o do Velho da Havan na esperança que sua vida se torne menos vazia de sentido. O choque está no absoluto desprezo com qualquer acordo social e na violência gratuita com as coisas mais preciosas do nosso país: a natureza, os indígenas e os direitos das minorias. E o elemento apaixonante (valha-me) é uma suposta “liberdade” dos apoiadores do atual governo para eliminar qualquer oponente e qualquer desgosto, de preferência com armas em punho. Para nós anti-bolsonaristas, a música mais estereotipada dessa estética é a sertaneja, mas pesquisando com mais cuidado a música alinhada à Bolsonaro pode ser qualquer - QUALQUER - música que for eficiente para gerar as emoções tumultuosas que o elegeram. O atual presidente já teve jingles e músicas de apoio em funk, reggae, reggaeton, gospel, piseiro, rap, sertanejo e muitos outros. Pouparei vocês de links, mas é fácil procurar no Youtube.
Teste minha hipótese do baile de máscaras nessa compilação abaixo e me diga o que achou! (aliás, reativarei o botão do zap ao final da newsletter).
Sertanejo, um latifúndio a ser explorado
É bem nessas horas, é justamente nesses momentos que me dói muito a morte de Marília Mendonça. A cantora, que foi uma das poucas artistas do sertanejo a se posicionar contrária a Bolsonaro, era justamente esse borogodó de choque a paixão que precisávamos agora, a mistura certa entre familiaridade e estranhamento: uma das mulheres mais famosas do Brasil que era capaz de levar a mensagem anti-bolsonarista a um público onde o candidato do PT tem pouca capilaridade, o interior do agronegócio. Escrevi sobre isso em 2020 nos primeiros meses da pandemia.
Além disso, por mais que eu me divirta com a possível CPI do Sertanejo, o fim da mamata e da hipocrisia dos artistas com dinheiro público para financiar shows gigantescos em cidades de 5.000 habitantes, eu ainda acho que para o Brasil, é melhor que exista menos polarização no sertanejo. Olhe este exemplo:
Os sertanejos são conservadores nos costumes. Mesmo a diva do feminejo Marília Mendonça, explico no meu texto “Todo Mundo Vai Sofrer”, articula os valores patriarcais como parte indivisível da poética da sofrência. No entanto, os sertanejos mais do que conservadores, são oportunistas:
O cantor sertanejo sempre foi próximo de quem está no poder, é movimento atrelado a apoiar quem está no poder. No passado, todo sertanejo era associado a Fernando Collor. Basta lembrar as famosas festas na Casa da Dinda. Depois a Lula… E agora a Bolsonaro. Além disso, sertanejo faz muito show em prefeituras. Ninguém quer perder essa…
André Piunti em entrevista para a VEJA
Como bons brasileiros precisamos optar pelo menos pior: preferimos um exército bem estruturado, de direita, violento e hiper leal a seu líder psicopata, ou um exército caótico, diletante, que vai para onde soprar o vento, pulando do barco assim que ele começa a afundar? Eu fico com o segundo.
Mas que diferença Anitta faz?
“Agora, a participação de celebridades e o envolvimento de artistas [na política], criaram um contexto novo. Os próprios políticos estão em busca de se transformar em celebridades. São influenciados pelos mecanismos de redes sociais que acabam premiando aqueles que conseguem ter picos de visibilidade. A política começa a beber dos comportamentos da cultura.”
Felipe Nunes, professor da UFMG.
O professor Felipe Nunes, em um dos podcasts mais esclarecedores sobre música brasileira e política, desenvolve mais sobre esse binômio choque e paixão que tanto defendi na primeira parte do texto. A fonte para se chegar a esse efeito arrebatador da música pop em 2022 é através da polêmica. Polêmica. Já escrevi algumas milhares de palavras sobre como Kanye West domina a arte da polêmica como ninguém e a política é também campo de ação do rapper. Segundo Nunes, a polêmica é capaz de furar a bolha e abre os caminhos para que um conteúdo de um nicho cultural específico se transporte para outros contextos, por exemplo, quando o sertanejo Zé Neto comentou, para sua desgraça, sobre a tatuagem anal de Anitta durante um show no Mato Grosso, estado brasileiro onde Anitta não é popular. Nessa treta, a cantora não só ficou mais falada entre seus fãs como virou assunto entre pessoas que nunca nem pensaram em comentar sobre ela. É simples: a polêmica fura bolhas e para aumentar as chances de angariar pessoas fora da nossa própria bolha, é preciso fabricar ou divulgar polêmicas.
Anitta por exemplo, ao dar apoio a Lula, facilitou uma grande polêmica. Segundo Nunes, que pesquisou e sistematizou as opiniões sobre o depoimento de Anitta, o apoio da cantora a Lula não necessariamente ajuda a mobilizar os votos dos que não votariam no candidato do PT. Anitta não convence um bolsonarista a mudar de lado e votar 13, mas ela tem sim um grande poder de mobilizar e estimular os que já são propensos a votar em Lula.
Os políticos aprendem com os artistas a criar suas audiências nas redes sociais de 2022. A política, cada vez mais, se apropria de fandoms e comportamentos extravagantes para criar polêmicas e engajamento. Gostando ou não, esta é a realidade. Por isso é fundamental que nossos políticos de esquerda sejam fábricas de meme ultra-produtivas.
Celebridades mobilizam os não polarizados
Sempre achei que apoiar Lula e ser anti-Bolsonaro eram praticamente a mesma coisa, mas para a Ciência Social, não é. Esta matéria do O Globo explica perfeitamente que, para Lula de fato ter capilaridade através de artistas, não basta que os artistas sejam anti-Bolsonaro. É preciso que o apoio a Lula aconteça de uma forma mais profunda, e que Lula crie programas e políticas que coloquem a cultura brasileira e grandes artistas em lugares estratégicos.
É por isso que acho o apoio de Anitta um pouco xexelento, cheio de “poréns” e “senões”, cheio de “veja bens”: a cantora diz que sempre foi anti-PT, mas este ano, somente este ano, apoiará Lula. Matuê parece ir pelo mesmo caminho, e seu fandom reagiu às vezes com dúvida sobre se seu protesto era ou não um apoio ao PT. Mas…mesmo xexelento igual ao de Anitta, seu protesto é positivo para Lula.
Nesse sentido, eu sou muito mais a MC Dricka. Sem medo, ela apoia Lula desde sempre.
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Em outubro, eu vou de Dricka, vou de Lula, vou de 13 e cuidem-se nesse Sete de Setembro! Manda um zap pra mim:
Dedico este post e mais tantos outros trabalhos e pensamentos ao meu amigo Nana Osei Kwadwo, falecido no começo de Agosto em Accra. Nana, você se foi cedo demais. Sua graça, indo embora, deixa muita dor. Te amo sempre.
até a próxima,
Vivian Caccuri
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